segunda-feira, 3 de julho de 2017

Portugal: assalto a paiois do Exército em grande quantidade de material bélico

DN

Segurança nos paióis do Exército vai regressar aos anos 1980




Dois militares patrulhavam ontem a zona dos paióis de Tancos, onde se descobriu quarta-feira que tinha sido roubado material de guerra

 PAULO CUNHA/LUSA



Poder político e chefias do Exército sob fogo no dia em que o assalto aos paióis de Tancos dominou Conselho Superior do ramo.

O Exército vai voltar a aplicar normas de segurança dos anos 1980, pelo menos em torno dos paióis de Tancos, onde quarta-feira se descobriu que tinha sido roubado material de guerra, disse ontem um oficial do ramo ao DN, que citava o chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), general Rovisco Duarte, durante a reunião de ontem à tarde, oficialmente já agendada do Conselho Superior do ramo, que juntou uma centena de militares (entre generais e coronéis com funções de comando e direção). Ao fim do dia chegou a mensagem da NATO que afirma estar "consciente do roubo" numa unidade que "não é uma instalação NATO" e que "conta com as autoridades portuguesas para investigarem o que aconteceu".

Fontes ouvidas sob anonimato pelo DN garantiram que a reunião do Conselho decorreu num ambiente calmo e "sem qualquer acaloramento", embora outro oficial tenha adiantado que os oficiais presentes apresentavam "um ar carregado". A reunião durou cerca de duas horas e meia e pelo menos dois coronéis questionaram o CEME sobre o tema de Tancos - um dos quais para saber como interpretar as orientações de reforço da segurança dadas por Rovisco Duarte.

Uma das fontes questionadas disse ao DN: "Debateram-se ideias", em particular sobre a área da segurança, sendo avançadas propostas como juntar "mais dois militares" às secções (com uma dezena de efetivos) que fazem as rondas, criar uma "força de reforço" num dos regimentos da zona para acudir em caso de necessidade e fazer que as rondas dos regimentos patrulhem também a área dos paióis.
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Outra medida vista como um regresso às normas dos anos 1980, se adotada, e como admitiu outra fonte, é a de desselar os carregadores das armas dos militares que fazem as rondas - medida aplicada no final daquela década, conforme amplamente referido nas redes sociais.

A este propósito, o major-general Raul Cunha, responsabilizando o poder político pelas condições que facilitaram o roubo do material de guerra de Tancos, expressou ao DN o seu alívio por os militares da ronda não terem dado de caras com os ladrões. Estes "matavam dois ou três soldados" - que também não teriam a quem pedir apoio adicional, lamentou por sua vez o tenente-coronel paraquedista Miguel Machado - ou, se fossem os militares a matar algum dos ladrões, "ainda seriam condenados por uso excessivo da força", observou aquele juiz militar que comandava a Brigada de Reação Rápida quando a responsabilidade pela segurança dos paióis deixou de ser da então Escola Prática de Engenharia (anos 2000) e passou para as cinco unidades cujos comandantes foram exonerados.

Além do CEME, que antes reunira a sós com os generais de três estrelas e também com os cinco comandantes exonerados sábado, interveio também o comandante operacional do ramo, tenente-general Faria Menezes, que usou uma expressão tauromáquica - "cair da sela e levantar" - ao dirigir-se aos subordinados, contou uma das fontes. Note-se que quatro dos cinco oficiais exonerados estavam sob a tutela direta de Faria Menezes, sendo o quinto da área logística. O CEME explicou aos subordinados que teve de "tomar decisões difíceis", que "ouviu a cadeia de comando" dos militares exonerados e os informou previamente.

Protesto de oficiais em Belém

A demissão do ministro da tutela e de generais do Exército, a começar pelo seu comandante, deveria ter antecedido a exoneração dos cinco militares que comandavam as unidades responsáveis pela segurança dos paióis de Tancos, declarou ontem ao DN o promotor da manifestação de oficiais agendada para amanhã junto a Belém.

"A nível militar a responsabilidade não é dos coronéis", enfatizou o tenente-coronel Tinoco de Faria (na reforma), acrescentando: "Não quero protagonismo, não há revoluções, mas é um alertar, um sopro à consciência dos políticos e dos militares" com responsabilidades sobre as Forças Armadas e "pelo estado" a que chegou a instituição militar, frisou aquele "órfão de guerra" que também vai levar a espada do pai, morto em combate, para entregar ao Comandante Supremo.

A iniciativa, da qual Raul Cunha discorda, foi conhecida quando decorria a reunião do Exército. Inicialmente estava prevista uma reunião de planeamento na quinta-feira e a entrega das espadas - símbolo de comando dos oficiais - em Belém, no sábado, para exprimir também solidariedade com os cinco oficiais superiores exonerados pelo CEME e, ainda, com o anterior comandante do Regimento de Comandos, coronel Dores Moreira, um dos militares acusados no processo em que morreram dois instruendos. Tinoco de Faria lamentou a "humilhação pública, familiar, cívica, perante a opinião pública" dos cinco comandantes e frisou que isso justifica um protesto que "é um ato de indignação e revolta contra o poder político" - onde também defende a demissão dos dois chefes militares do Exército: o CEME e o do Estado-Maior General, general Pina Monteiro.

A Associação de Oficiais garantiu ontem à tarde ao DN que "desconhece completamente quem esteja por detrás dessa iniciativa" e na qual "não [se irá] envolver".

Despachos ministeriais

Os chefes militares "devem desde já [...] dar prioridade às áreas relacionadas com a segurança do material de guerra" e, no prazo de 30 dias, apresentar à tutela um "relatório sobre as atuais condições de segurança das instalações" destinadas a armazenar esse material.

Este é o teor de um dos dois despachos aprovados domingo pelo ministro Azeredo Lopes, na sequência do assalto aos paióis de Tancos, e a que o DN teve acesso.

O segundo despacho manda realizar "uma inspeção extraordinária aos procedimentos e às condições de segurança em vigor" em matéria de armazenamento e segurança de armas e equipamentos militares, tendo a Inspeção-Geral da Defesa Nacional de entregar o respetivo relatório "no prazo máximo de 60 dias".

À noite, à RTP, o ministro dos Negócios Estrangeiros, a propósito das críticas da oposição, referia: "Uma coisa é assumir responsabilidades políticas, militares e administrativas, mas preservando as instituições".

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