terça-feira, 16 de maio de 2017

O embate da previdência: ganhos fiscais versus perda de direitos

DW

O envelhecimento da população justifica a necessidade da reforma da previdência, mas o rigor e a velocidade com que o governo quer modificar as regras da aposentadoria de milhões de brasileiros impede consensos mínimos.


Atualmente há oito trabalhadores na ativa para cada cidadão acima de 65 anos. Em 2060, serão apenas três.


O Brasil caminha para mudar as regras da aposentadoria de trabalhadores do setor privado e público, ainda que mais de 70% da população rejeitem a proposta que está sob análise da Câmara dos Deputados. A mudança de perfil demográfico do país, cuja população está envelhecendo, é um forte argumento para explicar a necessidade da reforma, mas o rigor de algumas medidas e a velocidade com que o governo quer modificar as regras da aposentadoria de milhões de brasileiros, ignorando críticas sobre o impacto social de parte das medidas, dificulta a comunicação e impede que consensos mínimos sejam formados.

Leia também: A reforma da Previdência que será levada a votação no plenário da Câmara

É inegável que o Brasil se tornará um país com mais velhos. Não encarar essa realidade levaria à insolvência da previdência. A equipe econômica do atual governo tem usado a seguinte explicação: hoje, no Brasil, para cada idoso com mais de 65 anos, há cerca de oito pessoas na idade ativa, trabalhando. Mas, em 2060, para cada aposentadoria que for paga, haverá menos de três cidadãos na ativa, contribuindo para o sistema.

O ponto central da reforma é estabelecer uma idade mínima de aposentadoria, de 65 anos. Atualmente, os brasileiros inscritos no Regime Geral da Previdência Social, o INSS, se aposentam, em média, bem mais cedo, aos 55 anos. A ideia central da proposta do governo é que a aposentadoria só seja concedida, se aprovada a reforma como está, para os que completarem 65 anos e que tenham contribuído ao INSS por pelo menos 25 anos. A combinação dessas duas regras, segundo os críticos, é o lado mais amargo da reforma e o que poderá causar injustiças, já que o trabalhador pobre, que muitas vezes vive na informalidade, é quem mais terá dificuldades de pagar e comprovar essas contribuições por um período tão longo.

Risco político e apoio parlamentar

Quando o texto da reforma foi aprovado com margem segura de votos na comissão especial da Câmara dos Deputados (23 votos a 14), no dia 9 de maio, o presidente Michel Temer (PMDB) conseguiu os sinais de que, mesmo sob forte resistência social e pressão de grupos corporativos e políticos, a proposta gerada em seu governo deve prosperar. O risco político é alto, uma vez que a insatisfação da população poderá ter reflexos nas urnas em 2018, comprometendo candidatos e partidos aliados a Temer. Não por acaso o PSDB, que integra e apoia o governo Temer, divulgou na semana passada uma propaganda em que deixa claro que o apoio à reforma não é incondicional. "Estamos trabalhando para melhorar as reformas discutidas no Congresso", afirma o líder do PSDB na Câmara, Ricardo Trípoli (SP), na gravação. Temer, que tem a cúpula de seu governo envolvida na Operação Lava Jato, não conta com apoio político da população – só 9% aprovam seu governo. Os partidos da coalisão temem ser arrastados para a mesma margem de impopularidade.

Confira duas opiniões diferentes sobre a proposta de reforma da previdência:

A favor da reforma: "Se o Estado for insolvente, não paga nada a ninguém no futuro"

Contra a reforma:"A previdência virou só uma questão fiscal, com lógica perversa"

Agora, a emenda constitucional que altera as regras de concessão de benefícios da previdência social precisa ser aprovada pelo plenário da Câmara, em dois turnos. Em seguida, terá que ser votada no Senado. Temer e a equipe da Fazenda querem liquidar a fatura da reforma ainda no primeiro semestre, para melhorar o ambiente econômico do país, também mergulhado numa onda de desemprego recorde, com 14 milhões de pessoas sem trabalho.

Ainda que o cenário seja favorável ao governo, o Palácio do Planalto teve que fazer várias concessões para abrandar o rigor fiscal da reforma, viabilizando desta maneira o apoio de parte da base aliada que não estava disposta a desagradar o eleitorado. O governo também entrou em campo e negociou interesses políticos dos parlamentares para aumentar a dose de boa vontade. Para aprovar uma emenda são necessários 308 votos dos 513 deputados, um número bastante significativo. O governo usa como moeda de troca abrandar, parcelar ou até esquecer dívidas de empresas com o Fisco brasileiro.

Mudanças já realizadas

A resistência e as críticas à reforma já provocaram mudanças no texto, consideradas, pelos próprios parlamentares da base aliada do governo, importantes para evitar injustiças. Um caso é o do trabalhador rural, que normalmente começa a trabalhar muito cedo. Pela proposta original, ele também teria que trabalhar até os 65 anos. O texto aprovado na Câmara reduziu, para esses trabalhadores, a idade para 60 anos (homens) e 57 anos (mulheres) e o tempo de contribuição para 15 anos. No caso dos demais trabalhadores, também houve uma redução da idade para as mulheres: não será mais exigido que completem 65 anos, mas 62. Outra mudança importante foi na principal vidraça da reforma, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), concedido a idosos de baixa renda e em situação sócio-econômica precária. O governo queria conceder o BPC só após 70 anos, e sem vincular o benefício ao salário mínimo (o que impediria reajustes anuais). A Câmara mudou o texto: a idade caiu para 68 anos e a vinculação ao mínimo foi mantida.

Depois da votação na Câmara, em dois turnos, o texto da reforma será analisado pelo Senado, onde, normalmente, os debates costumam ser mais técnicos e profundos. Porém, não há apostas de que os senadores, mesmo incomodados com alguns aspectos do texto e com a impopularidade das medidas, estejam dispostos a contrariar o governo e mexer ainda mais na reforma.

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